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terça-feira, agosto 23

Oswaldo Montenegro - Sem Mandamentos

"Meu Deus, me dê a coragem de viver trezentos e sessenta e cinco dias e noites, todos vazios de Tua presença. Me dê a coragem de considerar esse vazio como uma plenitude. Faça com que eu seja a Tua amante humilde, entrelaçada a Ti em êxtase. Faça com que eu possa falar com este vazio tremendo e receber como resposta o amor materno que nutre e embala. Faça com que eu tenha a coragem de Te amar, sem odiar as Tuas ofensas à minha alma e ao meu corpo. Faça com que a solidão não me destrua. Faça com que minha solidão me sirva de companhia. Faça com que eu tenha a coragem de me enfrentar. Faça com que eu saiba ficar com o nada e mesmo assim me sentir como se estivesse plena de tudo. Receba em teus braços o meu pecado de pensar".

Clarice Lispector
 
 
 
 
 
 
 
 
Poderia ser descrita por Balzac. Palavra-por-palavra: expressão. Os dias passam em espiral e ela se fecha em ciclos. A vida sempre foi esse espelho côncavo diante do qual o ser se esgota em busca da melhor posição subjetiva. O ser inteiro reduzido a ponto-e-vírgula só para depois refazer-se. Tão mais xamânico. Ela escreve como se jogasse runas. Cada caractere sussura segredos. Escrita-oráculo: escreve para responder. Nas noites, sincronicidade tem astúcia de vagalume. Amanhecer pode ser aleatório. Ou quando um homem vislumbra um texto na poeira cósmica. Docemente incompreensível. Como usar braille para orvalhos. Ou costurar nebulosas em esqueletos de corais. Dia um: o homem encontrou no seu peito reverberação de concha.
Toda interrogação cede a ponto de anzol. Silêncio. A palavra, isca.

Cecília Braga