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sexta-feira, dezembro 25


E nossas vidas passam  pessoas que nos acontecem uma vez e ficam guardadas como pedras preciosas de um tesouro que revisitamos em datas especiais, ou porque esse sentir tão nosso chamado saudade nos invade como uma maré viva e nos inunda o sentir…


Você é uma dessas pessoas breves que me aconteceu. É portanto um tesouro meu, que guardo no coração e na memória antiga feita de pequenas coisas, momentos breves, e sobretudo, uma vontade para cumprir um desejo envelhecido, um amor adiado…





somos o tempo...

e somos a ausência

as perguntas por fazer.


Hoje espero por ti na nossa mesa do costume das tardes de sábado


E fico inquieta porque tu não chegas!

Não sei se fui eu que cheguei cedo demais

Ou tu que já não voltas...

Diz-me o teu nome - agora, que perdi

quase tudo, um nome pode ser o princípio

de alguma coisa. Escreve-o na minha mão


com os teus dedos - como as poeiras se

escrevem, irrequietas, nos caminhos e os

lobos mancham o lençol da neve com os

sinais da sua fome. Sopra-mo no ouvido,


como a levares as palavras de um livro para

dentro de outro - assim conquista o vento

o tímpano das grutas e entra o bafo do verão

na casa fria. E, antes de partires, pousa-o


nos meus lábios devagar: é um poema

açucarado que se derrete na boca e arde

como a primeira menta da infância.


Ninguém esquece um corpo que teve

nos braços um segundo - um nome sim.


- Maria do Rosário Pedreira -

Aos que deixam as chaves em cima da mesa... aos que voltam... e aos que esperam...

De onde me chegam estas palavras?

Nunca houve palavras para gritar a tua ausência

Apenas o coração

Pulsando a solidão antes de ti

Quando o teu rosto dóia no meu rosto

E eu descobri as minhas mãos sem as tuas

E os teus olhos não eram mais

que um lugar escondido onde a primavera

refaz o seu vestido de corolas.

E não havia um nome para a tua ausência.

Mas tu vieste.

Do coração da noite?

Dos braços da manhã?

Dos bosques do Outono?

Tu vieste.

E acordas todas as horas.

Preenches todos os minutos.

acendes todas as fogueiras

escreves todas as palavras.

Um canto de alegria desprende-se dos meus dedos

quando toco o teu corpo e habito em ti

e a noite não existe

porque as nossas bocas acendem na madrugada

uma aurora de beijos.

Oh, meu amor,

doem-me os braços de te abraçar,

trago as mãos acesas,

a boca desfeita

e a solidão acorda em mim um grito de silêncio quando

o medo de perder-te é um corcel que pisa os meus cabelos

e se perde depois numa estrada deserta

por onde caminhas nua.

- Joaquim Pessoa -


Há surpresas assim - que nos fazem corar...

Chove...


Mas isso que importa!,

se estou aqui abrigado nesta porta

a ouvir a chuva que cai do céu

uma melodia de silêncio

que ninguém mais ouve

senão eu?


Chove...


Mas é do destino

de quem ama

ouvir um violino

até na lama.


José Gomes Ferreira
Manhã






A nossa noite ontem à tarde

foi a manhã por que esperávamos.


David Mourão-Ferreira
É ciência subir os Himalaias


e criar matemática sem fim

mas é cultura vê-la poesia

e ter os Himalaias dentro de mim.



Agostinho da Silva

Nenhuma morte apagará os beijos


e por dentro das casas onde nos amámos ou pelas ruas clandestinas da grande cidade livre

estarão sempre vivos os sinais de um grande amor,

esses densos sinais do amor e da morte

com que se vive a vida.


Aí estarão de novo as nossas mãos.

E nenhuma dor será possível onde nos beijamos.

Eternamente apaixonados, meu amor. Eternamente livres.

Prolongaremos em todos os dedos os nossos gestos e,

profundamente, no peito dos amantes, a nossa alma líquida e atormentada

desvendará em cada minuto o seu segredo

para que este amor se prolongue e noutras bocas

ardam violentos de paixão os nossos beijos

e os corpos se abracem mais e se confundam

mutuamente violando-se, violentando a noite

para que outro dia, afinal, seja possível



Joaquim Pessoa


E vem-me à memória um bocado do poema Adeus Português que rasgo, com meiguice, ao O’Neill


Nesta curva tão terna e lancinante

que vai ser que já é o teu desaparecimento

digo-te adeus

e como um adolescente

tropeço de ternura

por ti


Como sempre é Neruda

 




Plena mulher, maçã carnal, lua quente,

espesso aroma de algas, lodo e luz pisados,

que obscura claridade se abre entre tuas colunas?

que antiga noite o homem toca com seus sentidos?

Ai, amar é uma viagem com água e com estrelas,

com ar opresso e bruscas tempestades de farinha:

amar é um combate de relâmpagos e dois corpos por um só mel derrotados.

Beijo a beijo percorro teu pequeno infinito,

tuas margens, teus rios, teus povoados pequenos,

e o fogo genital transformado em delícia

corre pelos ténues caminhos do sangue até precipitar-se como um cravo noturno,

até ser e não ser senão na sombra de um raio.


"Os meus olhos são uns olhos.


E é com esses olhos uns

que eu vejo no mundo escolho

onde outros, com outros olhos,

não vêem escolhos nenhuns.



Quem diz escolho diz flores.

De tudo o mesmo se diz.

Onde uns vêem luto e dores

uns outros descobrem cores

do mais formoso matiz.


Nas ruas ou nas estradas

onde passa tanta gente,

uns vêem pedras pisadas,

mas outros, gnomos e fadas

num halo resplandecente.


Inútil seguir vizinhos,

que ser depois ou ser antes.

Cada um é seus caminhos.

Onde Sancho vê moinhos

D. Quixote vê gigantes.


Vê moinhos? São moinhos.

Vê gigantes? São gigantes."


António Gedeão


Depois que te vi, vi que o dia


não era o dia, vi que o ar não

sustinha o ar. Vi que não via.

Para que não te vás, não movo

os lábios; para que não te vás,

não tremo as pálpebras; para

que não te vás, a respiração

é tênue, em quietude as plumas

do sangue a que não amanheça

nem anoiteça. E a água aguarde

regalada, absorta, embebendo-se

na própria boca. As coisas não

decifradas é onde bate mais sol.

Maria Carpi



Como se eu pedisse uma simples Esmola,

E na minha mão maravilhada

Um Estrangeiro depusesse um reino,

E eu ficasse de boca aberta -

Como se perguntasse ao Oriente

Se tem uma Manhã para me dar -

E ele abrindo os seus Diques de púrpura,

Me despedaçasse com a Madrugada!

Emily Dickinson

Poemas e Cartas

(...) é difícil procurar poemas para um amor completamente novo.


Os melhores poemas são sempre feitos de um amor já muito antigo, pensou ela, e temperados com mágoas, intimidades e memórias cheias de musgo.

As cartas de amor escrevem-se sempre à noite e deixam-se de molho, num bom caudal de lágrimas, até a manhã seguinte. Depois relêem-se e, infelizmente, rasgam-se.


Inês Pedrosa in Instrução dos amantes


 
Eu ouso a paixão

não a recuso

Escuto os sentidos sem o medo por perto

troco a ternura da rosa

ponho a onda no deserto

A tudo o que é impossível

abro e rasgo o coração

Debaixo coloco a mão

para colher o incerto

Desembuço o amor

no calor da emboscada

infrinjo regras e impeço

Troco o sonho dos deuses

por um pequeno nada

Desobedeço ao preceito

e desarrumo a paixão

Teço e bordo o meu avesso

e desacerto a razão


Maria Teresa Horta

quinta-feira, dezembro 24

Deixei no esconderijo do meu coração


Uma porção de bem-me-quer

Sabiás, bem-te-vis, esperanças

Um bocado de beijos e um riacho

Deixei no abrigo do meu coração

Uma canção pra toda vida

Arranhões, abraços e uma despedida


Soneto

Chico Buarque

Por que me descobriste no abandono

Com que tortura me arrancaste um beijo

Por que me incendiaste de desejo

Quando eu estava bem, morta de sono



Com que mentira abriste meu segredo

De que romance antigo me roubaste

Com que raio de luz me iluminaste

Quando eu estava bem, morta de medo



Por que não me deixaste adormecida

E me indicaste o mar, com que navio

E me deixaste só, com que saída



Por que desceste ao meu porão sombrio

Com que direito me ensinaste a vida

Quando eu estava bem, morta de frio
TEXTO 4


Nessa vida em que sou meu sono
Eu não sou meu dono
Quem sou é que me ignoro
E vive através desta névoa que sou eu
Todas as vidas que outrora tive numa só vida
Mar sou; baixo marulho ao alto rujo
Mas minha cor vem do meu alto céu
E só me encontro quando de mim fujo

Poema sem título de Fernando Pessoa
Extraído do Disco Rosa dos Ventos - 1971 e Diamante Verdadeiro - 1999




TEXTO 6
Num meio-dia de fim de primavera
Tive um sonho como uma fotografia.
Vi Jesus Cristo descer à terra.
Veio pela encosta de um monte
mas era outra vez menino,
A correr e a rolar-se pela erva
E a arrancar flores para as deitar fora
E a rir de modo a ouvir-se de longe.
Tinha fugido do céu.
Era nosso demais para fingir
De segunda pessoa da Trindade.
Um dia que Deus estava a dormir
E o Espírito Santo andava a voar,
Ele foi à caixa dos milagres e roubou três.
Com o primeiro fez que ninguém soubesse que ele tinha fugido.
Com o segundo criou-se eternamente humano e menino.
Com o terceiro criou um Cristo eternamente na cruz
E deixou-o pregado na cruz que há no céu
E serve de modelo às outras.
Depois fugiu para o sol
E desceu pelo primeiro raio que apanhou.
Hoje vive na minha aldeia comigo.
É uma criança bonita de riso e natural.
Limpa o nariz ao braço direito,
Chapinha nas poças de água,
Colhe as flores e gosta delas e esquece-as.
Atira pedras aos burros,
Rouba a fruta dos pomares
E foge a chorar e a gritar dos cães.
E, porque sabe que elas não gostam
E que toda a gente acha graça,
Corre atrás das raparigas
com as bilhas às cabeças
E levanta-lhes as saias.
A mim ensinou-me tudo.
Ensinou-me a olhar para as coisas.
Aponta-me todas as cores que há nas flores.
Mostra-me como as pedras são engraçadas
Quando a gente as tem na mão
E olha devagar para elas.
Damo-nos tão bem um com o outro
Na companhia de tudo
Que nunca pensamos um no outro,
Vivemos juntos e dois Com um acordo íntimo
Como a mão direita e a esquerda.
Ao anoitecer brincamos as cinco pedrinhas
No degrau da porta de casa,
Graves como convém a um deus e a um poeta,
E como se cada pedra
Fosse todo um universo
E fosse por isso um grande perigo para ela
Deixá-la cair no chão.
Depois eu conto-lhe histórias das coisas só dos homens
E ele sorri, porque tudo é incrível.
Ri dos reis e dos que não são reis,
E tem pena de ouvir falar das guerras,
E dos comércios.
Depois ele adormece e eu deito-o.
Levo-o ao colo para dentro de casa
E deito-o, despindo-o lentamente
E como seguindo um ritual muito limpo
E todo materno até ele estar nu.
Ele dorme dentro da minha alma
E às vezes acorda de noite
E brinca com os meus sonhos.
Vira uns de pernas para o ar,
Põe uns em cima dos outros
E bate as palmas sozinho
Sorrindo para o meu sono.
Quando eu morrer, filhinho,
Seja eu a criança, o mais pequeno.
Pega-me tu ao colo
E leva-me para dentro da tua casa.
Despe o meu ser cansado e humano
E deita-me na tua cama.
E conta-me histórias, caso eu acorde,
Para eu tornar a adormecer.
E dá-me sonhos teus para eu brincar

Texto Poema do Menino Jesus de Alberto Caieiro
Extraído do Disco Rosa dos Ventos - 1971 e Maricotinha Ao vivo - 2002



TEXTO 7
Mestre meu mestre querido
A quem uma coisa feriu
Me doeu, me perturbou
Seguro como o sol
Fazendo seu dia involuntariamente
Natural como o dia mostrando tudo
Meu mestre meu coração não aprendeu a tua serenidade
Meu coração não aprendeu nada
Meu coração não é nada
Meu coração está perdido
E depois porque é que me ensinaste
A clareza da vista
Se não podias me ensinar
A ter a alma com que a ver clara
E por que é que me chamaste
Para o alto dos montes
Se eu criança da cidades do vale
Não sabia respirar.

Texto de Fernando Pessoa
Extraído do Disco Rosa dos Ventos - 1971



TEXTO 8
Um encontro de dois
Olho a olho
Cara a cara
E quando estiveres perto
Eu arrancarei teus olhos
E colocarei no lugar dos meus
E tu arrancarás meus olhos
E colocarás no lugar dos teus
Então eu te olharei com teus olhos
E tu me olharás com os meus.

Texto de Moreno
Extraído do Disco Rosa dos Ventos - 1971



TEXTO 9
E depois de uma tarde de quem sou eu
E de acordar a uma hora da madrugada em desespero...
Eis que as três horas da madrugada eu me acordei
E me encontrei
Simplesmente isso:
Eu me encontrei calma, alegre
Plenitude sem fulminação
Simplesmente isso
Eu sou eu
E você é você
É lindo, é vasto
Vai durar
Eu sei mais ou menos
O que vou fazer em seguida
Mas por enquanto
Olha pra mim e me ama
Não
Tu olhas pra ti e te amas
É o que está certo.

Texto de Clarice Lispector
Extraído do Disco Rosa dos Ventos - 1971



TEXTO 10
Nunca conheci quem tivesse
Levado porrada.
Todos os meus conhecidos
Têm sido campeões em tudo.
E eu, tantas vezes reles,
tantas vezes porco, tantas vezes vil,
Eu tantas vezes
irrespondivelmente parasita,
Indesculpavelmente sujo,
Eu, que tantas vezes
não tenho tido paciência para tomar banho,
Eu, que tantas vezes
tenho sido ridículo, absurdo,
Que tenho enrolado os pés
publicamente nos tapetes das etiquetas,
Que tenho sido grotesco,
mesquinho, submisso e arrogante,
Eu verifico que não tenho
Par nisto tudo neste mundo.
Toda a gente que eu conheço
E que fala comigo
Nunca teve um ato ridículo,
Nunca sofreu enxovalho,
Nunca foi senão príncipe -
Todos eles príncipes - na vida...
Quem me dera ouvir de
Alguém a voz humana
Que confessasse não um pecado,
Mas uma infâmia;
Que contasse, não uma violência,
Mas uma covardia!
Não, são todos o Ideal,
Se os ouço e me falam.
Quem há neste largo mundo
Que me confesse que uma vez foi vil?
Ó príncipes, meus irmãos,
Arre, estou farto de semideuses!
Onde é que há gente no mundo?
Então sou só eu que é vil
E errôneo nesta terra?
Poderão as mulheres não os terem amado,
Podem ter sido traídos - mas ridículos nunca!
E eu, que tenho sido ridículo
Sem ter sido traído,
Como posso eu falar com
Os meus superiores sem titubear?
Eu, que venho sido vil, literalmente vil,
Vil no sentido mesquinho e infame da vileza.

Trecho do texto Poema em Linha Reta de Álvaro de Campos
Extraído do Programa de Espetáculo do Drama - Luz da Noite - 1973



TEXTO 11
Eu sei que atrás deste
Universo de aparências
Das diferenças todas
A esperança é preservada
Nas xícaras sujas de ontem
O café de cada manhã é servido
Mas existe uma palavra
Que eu não suporto ouvir
E dela não me conformo
Eu acredito em tudo,
Mas eu quero você agora
Eu te amo pelas tuas faltas,
Pelo teu corpo marcado, pelas tuas cicatrizes
Pelas tuas loucuras todas, minha vida
Eu amo as tuas mãos
Mesmo que por causa delas
Eu não saiba o que fazer das minhas
Amo teu jogo triste
As tuas roupas sujas é aqui
Em casa que eu lavo
Eu amo a tua alegria
Mesmo e fora de si
Eu te amo pela tua essência
Até pelo que você podia ter sido
Se a maré das circunstâncias
Não tivesse te banhado nas águas do equívoco
Eu te amo nas horas infernais
E na vida sem tempo quando sozinha
Eu bordo mais uma toalha de fim de semana
Eu te amo pelas crianças e futuras rugas
Eu te amo pelas tuas ilusões perdidas
E pelos teus sonhos inúteis
Amo teu sistema de vida e morte
Eu te amo pelo que se repete
E que nunca é igual
Eu te amo pelas tuas entradas,
Saídas e bandeiras
Eu te amo desde os teus pés
Até o que te escapa
Eu te amo de alma para alma
E mais que as palavras
Ainda que seja através delas
Que eu me defenda quando digo que te amo
Mais que o silêncio dos momentos
Difíceis quando o próprio amor vacila

Texto Quando o Amor Vacila Autor Desconhecido
Extraído do Programa de Espetáculo do Drama - Luz da Noite - 1973
E do Disco Maricotinha ao Vivo - 2002



TEXTO 12
Eu não sou apenas essa hora
Em que me vês precipitada
Eu não sou senão uma de minhas bocas
Eu sou uma árvore ante o meu cenário.

Reserva de Domínio
Extraído do Disco Drama 3° Ato - 1973



TEXTO 13
Era uma vez, mas eu me lembro como se fosse agora. Eu queria ser trapezista, minha paixão era o trapézio. Me atirava do alto na certeza que alguém segurava-me as mãos não me deixando cair. Era lindo mas eu morria de medo, tinha medo de tudo quase: cinema, parque de diversão, de circo, ciganos, aquela gente encostada que chegava e seguia. Era disso que eu tinha medo. Do que não ficava pra sempre.
Era outra vez outro parque, outro circo, ciganos e patinadores. O circo chegou a cidade, era uma tarde de sonhos e eu corri até lá. Os artistas se preparavam nos bastidores para começar o espetáculo e eu entrei no meio deles e falei que queria ser trapezista. Veio falar comigo uma moça do circo que era a domadora, era uma moça bonita, mas era uma moça forte, era uma moçona mesmo. Me olhou, riu um pouco e disse que era muito difícil mas que nada era impossível. Depois veio o palhaço Polly, veio o Topsy, veio Diderlang que parecia um príncipe, o dono do circo, as crianças, o público... De repente apareceu uma luz lá no alto e todo mundo ficou olhando, a lona do circo tinha sumido e o que eu via era a estrela Dalva no céu aberto.
Quando eu cansei de ficar olhando pro alto e fui olhar pras pessoas, só aí eu vi que estava sozinha.

Texto de Antônio Bivar
Extraído do Disco Drama 3°Ato - 1973


TEXTO 14
Enquanto me permite o destino
Eu vou sendo os personagens
Que eu criei
Mas na vida tem sempre aquele
Que me indica
A ilusão como caminho.

Texto de Isabel Câmara
Extraído do Disco Drama 3°Ato - 1973


TEXTO 15
Dizem que há mundos lá fora
Que nem nos sonhos eu vi
Mas que importa todo mundo
Se o mundo todo é aqui.

Reserva de Domínio
Extraído do Disco Drama 3°Ato - 1973


TEXTO 16
Se não fosse esse nosso
Imenso e difícil amor
Não fosse esse abismo entre nós
Eu te convidava a dançar
O meu ultimo bolero.

Texto de Antônio Bivar
Extraído do Disco Drama 3°Ato - 1973



TEXTO 17
Eu conheço de perto a loucura
Ela mora no meu sangue
E me conta sempre com voz mansa
Que o amor é o sol
Dos que se prezam.

Texto de Isabel Câmara
Extraído do Disco Drama 3°Ato - 1973


TEXTO 18
Mora comigo na minha casa
Um rapaz que eu amo
Aquilo que ele não me diz porque não sabe
Vai me dizendo com o seu corpo
Que dança pra mim
Ele me adora e eu vejo através de seus olhos
O menino que aperta o gatilho do coração
Sem saber o nome do que pratica
Ele me adora e eu gratifico
Só com olhos que eu vejo
Corto todas as cebolas da casa
Arrasto os móveis, incenso
Ele tem um medo de dizer que me ama
E me aperta a mão
E me chama de amiga.

Texto de Luiz Carlos Lacerda
Extraído do Disco Drama 3°Ato - 1973


TEXTO 19
Eu quero ser sempre aquilo
Com quem eu simpatizo
E eu torno-me sempre
Mais cedo ou mais tarde
Aquilo com quem eu simpatizo
E eu simpatizo com tudo
São simpáticos os homens superiores
Porque são superiores
E são simpáticos os homens inferiores
Porque são superiores também
Porque ser inferior é diferente de ser superior
E isso é uma superioridade
A certos momentos de visão
Eu simpatizo com alguns homens
Pelas suas qualidades de caráter
Com outros eu simpatizo
Pela falta dessas mesmas qualidades
E com outros ainda eu simpatizo por simpatizar com eles
Como eu sou rei
Absoluto na minha simpatia
Basta que ela exista
Para que tenha razão de ser.

Texto de Fernando Pessoa
Extraído do Disco Drama 3°Ato - 1973


TEXTO 20
Pra onde vai minha vida
E quem a leva?
Por que eu faço sempre o que eu não queria?
Que destino contínuo se passa em mim e na trévoa
Que parte de mim
Que eu desconheço é que me guia.

Texto de Maria Bethânia
Extraído do Disco Drama 3° Ato - 1973


TEXTO 21
Eu vou tentar captar o instante já
Que de tão fugitivo não é mais
Porque a tornou-se um novo instante
Cada coisa tem um instante em que ela é
Eu quero apossar-me do é da coisa
Eu tenho um pouco de medo
Medo ainda de me entregar
Pois o próximo instante é desconhecido

Texto de Clarice Lispector
Extraído do Disco Drama 3°Ato - 1973



TEXTO 22
Eu gastei tudo que eu tinha
A ilusão que me mantinha
Só no palco eu era rainha
Despiu-se o reino acabou

Texto de Fernando Pessoa
Extraído do Disco Drama 3°Ato - 1973



TEXTO 23
Conta a lenda que dormia
Uma princesa encantada
A quem só despertaria
Um infante, que viria
De além do muro da estrada.
Ele tinha que tentado,
Vencer o mal e o bem,
Antes que, já libertado
Deixasse o caminho errado
Por o que à princesa vem.
A princesa adormecida
Se espera, dormindo espera.
Sonha em morte a sua vida,
E Orna-lhe a fronte esquecida,
Verde, uma grinalda de Hera.
Longe o infante, esforçado
Sem saber que intuito tem
Rompe o caminho falado.
Ele dela é ignorado.
Ela pra ele é ninguém.
Mas cada um cumpre o destino
Ela dormindo encantada,
Ele buscando-a sem tino
Pelo processo divino
Que faz existir a estrada.
E se bem que seja obscuro
Tudo pela estrada fora,
E falso, ele vem seguro,
E vencendo estrada e muro
Chega onde em sono ela mora.
E, indo tonto do que houvera,
À cabeça, em maresia,
Ergue a mão, e encontra a hera,
E vê que ele mesmo era
A princesa que dormia.

Texto Eros e Psique de Fernando Pessoa
Extraído do Programa de Espetáculo do show e
Disco Pássaro da Manhã - 1977



TEXTO 24
O pássaro eriça-se no frio mas o sol secará suas penas.
O novo dia traz novas possibilidades.
O pássaro, antes de seu vôo,
Não imagina como atravessar o oceano.

Extraído do Programa de Espetáculo do show Pássaro da Manhã - 1977


TEXTO 25
Um peso está dentro de nós.
Canta! Uma canção amedronta os lobos.
É melhor para os viajantes que cantem.
Canta uma canção secreta,
E não cede ao sono.

Extraído do Programa de Espetáculo do show Pássaro da Manhã - 1977



TEXTO 26
Estende teu braço através do abismo.
Sobre o precipício não há medo.
Mas abomináveis para o espírito são os confinamentos
De quarto e tapete.
Dentro de um pequeno quarto,
Sobre um pequeno tapete
Tu abandonaste tua antiga pele.

Extraído do Programa de Espetáculo do show Pássaro da Manhã - 1977



TEXTO 27
Minha boca ficará muda e serei incapaz de compreender o escudo da misericórdia,
Se o amor se for de mim.
Estarei preso a terra pela manhã, se minhas asas se fecharem durante a noite.
E aí, o que estenderei eu, para saudar o sol em sua chegada?

Extraído do Programa de Espetáculo do show Pássaro da Manhã - 1977



TEXTO 28
Eu vou lhe contar que você não me conhece. Eu tenho que gritar isso porque você está surdo e não me ouve.
A sedução me escraviza a você. Ao fim de tudo você permanece comigo, mas preso ao que eu criei e não a mim. E quanto mais falo sobre a verdade inteira um abismo maior nos separa.
Você não tem um nome, eu tenho.
Você é um rosto na multidão e eu sou o centro das atenções.
Mas a mentira da aparência do que eu sou e a mentira da aparência do que você é, porque eu não sou meu nome e você não é ninguém, o jogo perigoso que eu pratico aqui, ele busca chegar ao limite possível de aproximação, através da aceitação da distância e do reconhecimento dela.
Entre eu e você existe a notícia, que nos separa.
Eu quero que você me veja à mim. Eu me dispo da notícia, e a minha nudez parada te denuncia e te espelha.
Eu me delato, tu me relatas. Eu nos acuso e confesso por nós. Assim me livro das palavras com as quais você me veste.

Texto de Fauzi Arap
Extraído do Programa de Espetáculo do show e
Disco Pássaro da Manhã - 1977



TEXTO 29
Eu fui obrigada a conhecer o avesso do mundo. Pra sobreviver à dor de não entender o que tinha acontecido,
À dor de te perder, tudo. Eu tive que nascer pra vida da cidade. Não a vida social, mas a vida da cidade e de seus cantos esquecidos. O lixo do lixo. Eu me perdia pela cidade, anônima, e esse anonimato era um vício. Eu não Ter meu nome me absolvia de tudo. Eu me embebedava do desejo cego por qualquer um... E assim, eu me iniciei na solidão coletiva dos que não têm nada a perder. Mas, talvez, eu tenha até mais que os outros a tentação de corresponder ao bem. Uma tentação tão grande e absoluta, um desejo de corresponder de forma tão total, que paradoxalmente me tornou e me torna escrava cega de minha escuridão. E quando essa escuridão me possui, eu até a confundo com uma espécie de bem-aventurança.

Texto de Fauzi Arap
Extraído do Programa de Espetáculo do show Pássaro da Manhã - 1977


TEXTO 30
Eu quero ser possuída por você,
Pelo seu corpo,
Pela sua proteção
e pelo seu sangue.
Me ama,
Eu quero que você me ame e
fique eternamente me amando dentro de mim,
com sua carne e o seu amor.
Eternamente, infinitamente dentro de mim,
me envolvendo,
me decifrando,
me consumindo e me revelando.
Como uma tarde dentro do elevador no verão
voltando da praia, e você me abraçou e eu te abracei.
Quanto mais eu me entregava, mais nascia o meu desejo,
mais sobrava só o desejo e mais eu te
Queria sem palavras e sem pensamentos.
A vida inteira resumida só no desejo da tua boca
dizendo o meu nome, da tua mão conduzindo a minha mão,
Do teu corpo revelando o meu corpo como se o mundo fosse pela primeira vez.
Você, meu ponto de referência nessa cidade !

Texto eu quero ser possuída por você de José Vicente
Extraído do Programa de Espetáculo do show Pássaro da Manhã - 1977
E Disco Maricotinha ao Vivo -2002



TEXTO 31
Os pássaros não se recordam de suas ações e das ações dos outros. Por isso, eles retornam aos antigos lugares.

Extraído do Programa de Espetáculo do show Pássaro da Manhã - 1977



TEXTO 32
Necessita-se de chave para abrir uma prisão.
Mas as asas elevarão para a luz
Cada chave pertence a sua prisão
Mas aproxima-se o tempo em que os homens abominarão a chave.

Extraído do Programa de Espetáculo do show Pássaro da Manhã - 1977



TEXTO 33
Senhor, o pássaro da felicidade cantará em minha janela.
Não compreenderei suas palavras, mas ousarei. Na hora matutina, compreenderei uma palavra, e meu coração cantará: Absolvido, absolvido, absolvido. Será possível que por apenas uma palavra, por apenas um carinho, possa eu ser absolvido por ti?

Extraído do Programa de Espetáculo do show Pássaro da Manhã - 1977



TEXTO 34
Eu sei de muita coisa que não vi.
Vocês também, eu sei.
Não se pode dar provas da existência daquilo que é mais verdadeiro
O único jeito é acreditar. E acreditar chorando.
Esse show é feito em estado de emergência e de calamidade pública.
Trata-se de um show inacabado porque lhe falta a resposta. Resposta essa que eu espero que alguém no mundo me dê.
É um show em tecnicolor, para Ter algum luxo que por Deus-que eu também preciso.
Amém - para todos nós.

Texto de Clarice Lispector.
Extraído do Programa de Espetáculo do show Pássaro da Manhã - 1977
e do disco Pássaro da Manhã - 1977



TEXTO 35
Toda vez que eu faço um espetáculo de teatro, um show de teatro
Eu tenho um repertório que eu obedeço desde a estréia até o último dia da temporada.
E normalmente quando eu volto pra minha casa nos meus dias de folga
Eu sempre me pego com o violão cantando músicas não incluídas no repertório de cena
Normalmente são músicas muito românticas, muito apaixonadas
Apenas ligadas ao coração
Essas músicas sempre me são lembradas através de gravações da extraordinária
Dalva de Oliveira. A Dalva tinha a coragem, o jeito de cantar no palco
O que até então eu só tinha coragem e jeito de cantar dentro da minha casa.

Texto de Maria Bethânia
Extraído do Programa de Espetáculo do show Pássaro da Manhã - 1977




TEXTO 36
Pra onde vai minha vida
E quem a leva?
Por que eu faço sempre o que eu não queria?
Que destino contínuo se passa em mim e na trévoa
Que parte de mim
Que eu desconheço é que me guia.

Texto de Maria Bethânia
Extraído do Programa de Espetáculo do show
Maria Bethânia e Caetano Velloso - 1978





TEXTO 38
Amar é iluminar a dor!

Texto de Chico Buarque
Extraído do Programa de Espetáculo do show Mel - 1979




TEXTO 39
Cinco são as condições do pássaro solitário.
A primeira, voar ao mais alto;
A Segunda não querer companhia
Nem sequer da natureza;
A terceira por o bico no ar;
A Quarta não Ter cor determinada;
A quinta CANTAR suavemente.

Texto de San Juan de La Cruz - tradução de Antônio Cícero/ Wally/Alex
Extraído do Programa de Espetáculo do show Mel - 1979




TEXTO 40
Minha mãe sempre me diz,
Quando chega o verão:
Formiga quando quer
Se perder cria asa

Texto de Maria Bethânia
Extraído do Programa de Espetáculo do show Mel - 1979



TEXTO 41
Uma música se tornou um marco
De uma virada muito significativa
Na minha carreira.
Não precisei descer o nível.
Foi a bordo de uma canção de
Chico Buarque de Hollanda,
De letra sofisticadíssima,
Que quebrei a barreira do som:
Passei de cantora faixa FM
A ser tocada nas rádios AM

Texto de Maria Bethânia
Extraído do Programa de Espetáculo do show Mel - 1979



TEXTO 42
Aqui neste mesmo palco eu cantei com ele.
De lá para cá, só fazemos crescer nossa amizade.
Nos últimos anos, perdi grandes amigos.
Um deles, particularmente Ter desaparecido é,
Para mim, um buraco no mundo.

Texto de Maria Bethânia
Extraído do Programa de Espetáculo do show Mel - 1979



TEXTO 43
Andarei no ar.
Estarei daqui a cem anos,
No outro lado do mundo,
Levantando populações...
Me desespero porque não posso
estar presente a todos os atos da vida.
O mundo samba na minha cabeça.
Estarei em todos os nascimentos
E em todas as agonias.
Na cabeça dos artistas, dos revolucionários.

Texto de Murilo Mendes
Extraído do Programa de Espetáculo do show Mel - 1979



TEXTO 44
Me insinuarei nos quatro cantos do mundo,
Vibrarei nos canjerês do mar,
Almas desesperadas,
Eu vos amo.
Almas insatisfeitas, ardentes.
Detesto os que se tapeiam,
Os que brincam de cabra-cega com a vida,
Eu odeio os homens práticos

Texto de Murilo Mendes
Extraído do Programa de Espetáculo do show Mel - 1979



TEXTO 45
Ah...Noite de verão...passa tão depressa.
Bem curto é o intervalo entre o pôr-de-sol
E o romper do dia. Gozemos enquanto
A noite dura e quando o sol raiar.
MEU BEM alonguemos de prazeres o dia curto

Texto de Maria Bethânia e Wally Salomão
Extraído do Programa de Espetáculo do show Mel - 1979


TEXTO 46
Minha voz não pode muito mas gritar eu bem gritei...

Texto de Bertold Bretch - tradução de Augusto Boal
Extraído do Programa de Espetáculo do show Mel - 1979



TEXTO 47
Eu sei o que posso. Com certeza.
O cio da terra manifesta seu poder,
Penetra pelos meus poros,
Corre nas minhas veias,
Vibra na luz dos meus olhos,
Percorre meu corpo inteiro,
Toma minha garganta emprestada
E se faz OUVIR através de mim
E de meus colegas: cantores,
Cantoras, músicos, poetas,
Todos nós que tecemos
Em conjunto uma inspirada
Colmeia de sinais.
Eu quero MAIS. SIM.
Eu quero é MEL.

Texto de Wally Salomão
Extraído do Programa de Espetáculo do show Mel - 1979