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sábado, junho 14

COMO VOCÊ QUER O SEU HOMEM


Há mulheres que querem que o seu homem seja o Sol.

O meu quero-o nuvem. Há mulheres que falam na voz do seu homem.

O meu que seja calado e eu, nele, guarde meus silêncios.
Para ser a minha voz quando Deus me pedir contas.
No resto, que tenha medo e me deixe ser mulher, mesmo que nem sempre sua.
Que ele seja homem em breves doses. Que exista em marés, no simples ciclo das águas e dos ventos.
E, vez em quando, seja mulher, tanto quanto eu. As suas mãos as quero firmes quando me
despir. Mas ainda mais quero que ele me saiba vestir. Como se eu mesma me vestisse e ele fosse
a mão da minha vaidade.
Há muito tempo, amei alguén , também eu.
Dispensei uma vida com esse alguém. Até que ele foi. Quando me deixou já não me deixou a mim.
Que eu já era outra, habilitada a ser ninguém.
Às vezes, contudo, ainda me adoece uma saudade desse homem.
Lembro do tempo em que me encantei, tudo era um princípio.
Eu iria ser feliz.

QUANDO NOS CONHECEMOS

Quando ele me dirigiu palavra, nesse primeiríssimo dia, dei conta que, até então, nunca eu tinha
falado com ninguém. O que havia feito era comerciar palavra, em negoceio de recado. Falar é
outra coisa, é essa ponte sagrada em que ficamos pendentes, suspensos sobre o abismo. Falar é
outra coisa. Dessa vez, com esse homem, na palavra, eu me divinizei. Como perfume em que
perdesse minha própria aparência. Me solvia na fala, insubstanciada.Lembro desse encontro,
dessa primogénita primeira-vez. Como se aquele momento fosse, afinal, toda minha vida.
Aconteceu aqui, neste mesmo lugar aonde aos sábados em que agora o espero. Era uma tarde
boa para a gente existir. O mundo cheirava a casa. O ar por ali parava. A brisa sem voar, quase
nidificava. Vez e voz, os olhos e os olhares. Ele, em minha frente, todo chegado como se a sua
única viagem tivesse sido para a minha vida.No entanto, aparentava distância. O fumo escapava
entre os meus dedos. Não levava o cigarro à boca. Em meu parado gesto, o cigarro a si se
consumia. Eu gostava assim: a inteira cinza tombando intacta no chão. Pois eu tombei igualzinha
àquela cinza. Desabei inteira sob o corpo dele. Depois, me desfiz em poeira, toda estrelada no
chão. As mãos dele: o vento espalhando cinzas. Eu.Era essa tarde, já descaída em escuro.
Ressalvo. Diz-se que a tarde cai. Diz-se que a noite também cai. Mas eu encontro o contrário: a
manhã é que cai. Por um cansaço de luz, um suicídio da sombra. Lhe explico. São três os bichos
que o tempo tem: manhã, tarde e noite. A noite é quem tem asas. Mas são asas de avestruz.
Porque a noite as usa fechadas, ao serviço de nada. A tarde é a felina criatura. Espreguiçando,
mandriosa, inventadora de sombras. A manhã, essa, é um caracol. Sobe pelos muros,
desenrodilha-se vagarosa. E tomba, no desamparo do tempo.

O TEMPO FOI PASSANDO...

Toda a vida acreditei: amor é os dois se duplicarem em um.

Mas hoje sinto: ser um é ainda muito. Demais. Ambiciono, sim, ser o múltiplo de nada.

Ninguém no plural. Ninguéns. Nunca eu pensei que, nesse mesmo LUGAR em que se estreava

meu coração, tudo iria acabar. E, afinal, ele anunciou tudo nessa tarde por telefone . Que a paixão

dele desbrilhara. Sem mais nada, nem outra mulher havendo. Só isso: a murchidão do que, antes,

florescia. Eu insistia, louca de tristeza. Não havia mesmo outra mulher? Não havia. O único

intruso era o tempo, que nossa rotina deixara crescer e pesar. Ele me mandou um beijos por

telefone com se beija a testa. Como se faz a um filho, um beijo longe da boca. Meu peito era um

rio lavado, toda escoada no estuário do choro.HOJE Deixem-me agora evocar, aos goles de

lembrança.
Enquanto espero que ele volte, de novo, a este lugar . Recordar tudo, de uma só vez, me dá

sofrência. Por isso, vou lembrando aos poucos. Me debruço pelas janelas da vida e a altura me

tonteia. Quase vou na vertigem. Sabe o que descobri? Que minha alma é feita de água. Não posso

me debruçar tanto. Senão me entorno e ainda morro vazia, sem gota.

Porque eu não sou por mim. Existo refletida, ardível em paixão.

Como a lua: o que sou é por luz de outro. A luz desse amante, luz dançando na água..

Mesmo que surja assim, agora, distante e fria. Cinza de um cigarro nunca fumado.

O FIM

Pedi-lhe que viesse uma vez mais.

Para que de novo se despeça de mim. E passados os meses tantos que já nem cabem na

lembrança, eu ainda choro como se fosse a primeira despedida.

Porque esse adeus, só esse aceno é meu, todo inteiramente meu. Um adeus à medida de meu

tanto amor.Por isso ele virá? para renovar despedidas?

Quando a lágrima escorrer no meu rosto eu a sorverei, como quem bebe o tempo. Porque essa

água é, agora, meu único alimento.

Meu último alento. Já não tenho mais desse amor que a sua própria conclusão.

Como quem tem um corpo apenas pela ferida de o perder.

Por isso refaço a despedida.

Seja esse o modo do meu amor se fazer nosso.

E um eterno nunca mais....

TRAPÉZIO DA VIDA


...alguém me falou um dia do trapézio que a vida pode ser...



Clara

AUSÊNCIA

Eu deixarei que morra em mim o desejo de amar os teus olhos que são doces

Porque nada te poderei dar senão a mágoa de me veres eternamente exausto.

No entanto a tua presença é qualquer coisa como a luz e a vida

E eu sinto que em meu gesto existe o teu gesto e em minha voz a tua voz.

Não te quero ter porque em meu ser tudo estaria terminado

Quero só que surjas em mim como a fé nos desesperados

Para que eu possa levar uma gota de orvalho nesta terra amaldiçoada

Que ficou sobre a minha carne como uma nódoa do passado.

Eu deixarei... tu irás e encostarás a tua face em outra face

Teus dedos enlaçarão outros dedos e tu desabrocharás para a madrugada

Mas tu não saberás que quem te colheu fui eu, porque eu fui o grande íntimo da noite

Porque eu encostei minha face na face da noite e ouvi a tua fala amorosa

Porque meus dedos enlaçaram os dedos da névoa suspensos no espaço

E eu trouxe até mim a misteriosa essência do teu abandono desordenado.

Eu ficarei só como os veleiros nos portos silenciosos

Mas eu te possuirei mais que ninguém porque poderei partir

E todas as lamentações do mar, do vento, do céu, das aves, das estrelasSerão a tua voz presente, a tua voz ausente, a tua voz serenizada.

Vinicíus de Moraes

JARDINS


Quando tudo se desfaz, alicerces são os jardins!

CANÇÃO PARA UM DESENCONTRO

Deixa-me errar alguma vez,porque também sou isso: incerta e dura,e ansiosa de não te perder agora que entrevejo um horizonte.
Deixa-me errar e me compreende porque se faço mal é por querer-te desta maneira tola, e tonta, eternamente recomeçando a cada dia como num descobrimento dos teus territórios de carne e sonho, dos teus desvãos de música ou vôo, teus sótãos e porões e dessa escadaria de tua alma. Deixa-me errar mas não me soltes para que eu não me perca deste tênue fio de alegria dos sustos do amor que se repetem enquanto houver entre nós essa magia.
Lya Luft

PARA UMA AMIGA

Para uma amiga tenho sempre um relógio esquecido em qualquer fundo da bolsa.
Mas esse relógio não marca o tempo inútil.
São restos de tabaco e de ternura rápida.
É um arco-íris de sombra, quente e trémulo.
É um copo de vinho com o meu sangue e o sol.

António Ramos Rosa

TENTANDO SER ATÍPICA?

“Nem sempre a resposta está pronta. Há uma beleza na dúvida que vale a pena de ser apreciada. Forjar a resposta antes do tempo é a mesma coisa que colher frutos verdes...Demora na dúvida... e descubra a sabedoria que insiste em se esconder na ausência de palavras. Pessoas simples são aquelas que se deixam tocar pelas perguntas, e que sabem apreciar o encanto da ausência de palavras. São capazes de deixar a noite deitar seu manto sobre a dúvida que o sol aqueceu.”


quinta-feira, junho 12

BILHETE


Se tu me amas, ama-me baixinho

Não o grites de cima dos telhados

Deixa em paz os passarinhos

Deixa em paz a mim!

Se me queres,enfim,tem de ser bem devagarinho,

Que a vida é breve, e o amor mais breve ainda...

POR NÃO ESTAREM DISTRAÍDOS...

Havia a levíssima embriaguez de andarem juntos, a alegria como quando se sente a garganta um pouco seca e se vê que por admiração se estava de boca entreaberta: eles respiravam de antemão o ar que estava à frente, e ter esta sede era a própria água deles. Andavam por ruas e ruas falando e rindo, falavam e riam para dar matéria peso à levíssima embriaguez que era a alegria da sede deles. Por causa de carros e pessoas, às vezes eles se tocavam, e ao toque - a sede é a graça, mas as águas são uma beleza de escuras - e ao toque brilhava o brilho da água deles, a boca ficando um pouco mais seca de admiração. Como eles admiravam estarem juntos! Até que tudo se transformou em não. Tudo se transformou em não quando eles quiseram essa mesma alegria deles. Então a grande dança dos erros. O cerimonial das palavras desacertadas. Ela procurava e não via, ele não via que ela não vira, ele que, estava ali, no entanto. No entanto ela que estava ali. Tudo errou, e havia a grande poeira das ruas, e quanto mais erravam, mais com aspereza queriam, sem um sorriso. Tudo só porque tinham prestado atenção, só porque não estavam bastante distraídos. Só porque, de súbito exigentes e duros, quiseram ter o que já tinham. Tudo porque quiseram dar um nome; porque quiseram ser, eles que eram. Foram então aprender que, não se estando distraído, o telefone não toca, e é preciso sair de casa para que a carta chegue, e quando o telefone finalmente toca, o deserto da espera já cortou os fios. Tudo, tudo por não estarem mais distraídos.
Clarice Lispector

O FIM

Somos como rosas que nunca se deram ao trabalho de desabrochar quando deviam ter desabrochado e é como se o sol estivesse farto de esperar.
Charles Bukowski

O AMOR ESQUECE DE COMEÇAR

Quando estamos sozinhos, somos pela metade.
Quando somos dois, somos um.
Quando deixamos de ser um dos dois,
não somos nem a metade que começamos a história.

Fabrício Carpinejar

quarta-feira, junho 11

SAUDADE


Não deixe que a saudade sufoque, que a rotina acomode, que o medo impeça de tentar. Desconfie do destino e acredite em você. Gaste mais horas realizando que sonhando, fazendo que planejando, vivendo que esperando porque, embora quem quase morre esteja vivo, quem quase vive já morreu.”
Luiz Fernando Veríssimo