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sábado, agosto 16

sexta-feira, agosto 15

COPO VAZIO


É sempre bom lembrar
Que um copo vazio
Está cheio de ar.

É sempre bom lembrar
Que o ar sombrio de um rosto
Está cheio de um ar vazio,
Vazio daquilo que no ar do copo
Ocupa um lugar.

É sempre bom lembrar,
Guardar de cor que o ar vazio
De um rosto sombrio está cheio de dor.

É sempre bom lembrar
Que um copo vazio
Está cheio de ar.

Que o ar no copo ocupa o lugar do vinho,
Que o vinho busca ocupar o lugar da dor.
Que a dor ocupa metade da verdade,
A verdadeira natureza interior.

Uma metade cheia, uma metade vazia.
Uma metade tristeza, uma metade alegria.
A magia da verdade inteira, todo poderoso amor

É sempre bom lembrar
Que um copo vazio
Está cheio de ar.

.Gilberto Gil.

MOMENTO




Quanto a mim, o amor passou.


Só lhe peço que não faça como a gente vulgar e não me volte a cara quando passe por si


Nem que tenha de mim uma recordação em que entre o rancor.


Fiquemos um perante o outro,como dois conhecidos desde a infância,que se amaram um pouco


quando meninos e embora na vida adulta sigam outras afeições conservam num escaninho da


alma a memória de seu amor antigo e inúltil..


Fernando Pessoa.


CIDADE ESTRANGEIRA


Alguém que vi de passagem

Numa cidade estrangeira

Lembrou os sonhos que eu tinha

E esqueci sobre a mesa

Como uma pêra se esquece

Dormindo numa fruteira

Como adormece o rio

Sonhando na carne da pêra

O sol na sombra se esquece

Dormindo numa cadeira

Alguém sorriu de passagem

Numa cidade estrangeira

Lembrou o riso que eu tinha

E esqueci entre os dentes

Como uma pêra se esquece

Sonhando numa fruteira.

Milton Nascimento

NEM RÉU, NEM JUIZ

Que nem serpente

Até meus pés

Se rastejou

Me seduziu

Meu coração fragilizou

Me envenenou, feriu

Depois cruel, me seqüestrou

Me confinou no seu covil

E me entreguei ao seu amor

Me escravizei, servil

Tornou-se me feitor

Cambono, capataz

Um anjo protetor

Com ar de satanás

Me fez seu prisioneiro

Deixei-me acorrentar

E o meu resgate eu sei

Nem penso estipular

um delinqüente, marginal

Desabusado transgressor

Que se elegeu para ser algoz

De um atormentado amor

Mas nessa estória há um porém

Me escravizei porque eu quis

Se dele hoje sou refém

Jamais serei juiz...

(DVD MARTINHO DA VILA)

TANTO AMOR


Amor febril, amor viril

Amor adolescente

Amor impuro é de luxo, amor ardente

Amor correspondido

Amor fingido ou verdadeiro

Amor intermitente, amor doente

Amor primeiro
Amor sem pretensão, amor paixão

Que chega de repente

Que mata e se destroi

Que arrasa que corroi

E acaba simplesmente
Amor que se entrega,

Amor que cega

Amor que embriaga

Que vem feito um tufão

E abrindo o coração

Se espalha feito praga
Amor desesperado

Amor rasgado, amor proibido

Amor desilusão, amor em vão

O amor não faz sentido
Amor interesseiro, amor traiçoeiro

Amor que não se vende

Amor que não tem fim

Só quem amou assim

Me compreende

(DVD ME LEVE - RAIMUNDO FAGNER)

ANTES DE AMAR-TE


Antes de amar-te, amor, nada era meu

Vacilei pelas ruas e as coisas:Nada contava nem tinha nome:O mundo era do ar que esperava.

E conheci salões cinzentos,

Túneis habitados pela lua,

Hangares cruéis que se despediam,

Perguntas que insistiam na areia.

Tudo estava vazio, morto e mudo,

Caído, abandonado e decaído,

Tudo era inalienavelmente alheio,

Tudo era dos outros e de ninguém,

Até que tua beleza e tua pobreza

De dádivas encheram o outono.

(Pablo Neruda)

RENDA-SE


Renda-se como eu me rendi.

Mergulhe no que você não conhece, como eu mergulhei.

Pergunte, sem querer, a resposta, como estou perguntando.
Não se preocupe em "entender".

Viver ultrapassa todo entendimento.
(Clarice Lispector)

PERDA

Já passaste a mão sobre meus poros.


sobre meus eriçados pêlos.


já soubeste de antemão sobre meus apelos. carentes apelos.


agora, caminhas, esquecido de mim, sobre prazeres de memória.


enquanto a porta, que ali está - embora nunca a tenha percebido - cresce à frente da menina de meus olhos. assustados.


trespassados de saudade.


sabes que a porta, ainda que a abriste, daria para campos inúteis.


do desejo. nesta hora vadia, a lembrança não me é nenhuma outra coisa que não seja o que é: tardia.

A DERIVA


agora não. depois. depois que esta chuva passar. eu juro. agora não vou. já me molhei o suficiente para saber que nessa água não mais me molharei.


agora. antes que essa chuva cesse. vem. eu juro. já me esturriquei o suficiente para saber que dessa água eu não mais me furtarei.


depois, meu amor. eu juro. beijando os dedos em cruz levados aos lábios. minha alma encharcada só precisa mesmo é de uma esponja. um pano. uma toalha. e por último um ralo.


agora, meu amor. eu juro. preciso urgentemente que venha. necessito ser regada. minha sede é tanta, meu amor, que eu te imploro. mate-a. agora, por favor. vem.

POR QUE A ÀGUA BATE É PRECISO NADAR DIGO: VIVER

Não desista - eu lhe peço.

É pra você que eu peço: não desista.

Eu, mais do que peço. Eu imploro.

É pra você que eu imploro: não desista.

Porque, em desistindo, você impinge também em mim a desistência.

Quereria te dizer assim: bem baixinho, com a boca encostada em teus ouvidos: eu te amo.

Amo você, que eu conheço e amo.

Amo você, que eu nem sequer conheço e amo.

A descrença tornaria, de um todo, tudo tão mais simples.

Tudo tão mais fácil.

O fardo da existência seria, de um todo, tanto mais leve quanto em mim houvesse o dom da indiferença.

Mas quando eu nasci, involuntariamente, me foi dado isto: amar.

Não me pergunte nem como nem o por quê. Não saberei explicar.

Juro por Deus. Não sei nem a mim.

Na simplicidade máxima em que posso me ancorar, na muleta mais segura em que possa me

escorar, acredito que isso de amar não necessite de explicações.

Necessite, sim, de coragem.

E isto: coragem, eu não a possuo por inerecência.

Me foi dada. Ao contrário do medo, que me é inerente.

Também sou triste, angustiado, desesperançado - às vezes.

Mas por uma espécie balsâmica de um desígnio que involuntária e irremissivelmente me faz dar

braçadas nas águas da coragem (que eu repito, insisto, reafirmo: me é dada, sem a permissão da

recusa), tenho a danação de acreditar acreditar acreditar.

E também porque talvez você precise de algo mais substantivo, mais sustentável, e porque não

me sinto capaz de lhe dar com as minhas próprias palavras, reproduzo aqui um trecho de Clarice

Lispector - que eu também amo:

"Sempre me restará amar. Escrever é alguma coisa extremamente forte mas que pode me trair e me abandonar. Posso um dia sentir que já escrevi o que é meu lote neste mundo e que devo aprender também a parar. Em escrever eu não tenho nenhuma garantia. Ao passo que amar não acaba. Amar eu posso até a hora de morrer. É como se o mundo estivesse à minha espera. E eu vou ao encontro do que me espera ".
Não desista.

É pra mim que eu peço.

Uma prece.

Que eu aprenderei.

E a ti, rogarei. Digo: rezarei.

quinta-feira, agosto 14

SE EU PUDESSE...


...Peregrinaria o mundo comendo 'SUSHIS'...


“Vem sem receio: eu te recebo

Como um dom dos deuses do deserto

Que decretaram minha trégua , e permitiram

Que o mel de teus olhos me invadisse.

Quero que o meu amor te faça livre, Que meus dedos não te prendam

Mas contornem teu raro perfil

Como lábios tocam um anel sagrado.

Quero que o meu amor te seja enfeite

E conforto, porto de partida para a fundação Do teu reino, em que a sombra Seja abrigo e ilha.


Quero que o meu amor te seja leve Como se dançasse numa praia uma menina..."
(Lia Luft)

EU QUERO SER POSSUÍDA POR VOCÊ


Eu quero ser possuída por você

Pelo seu corpo, pela sua proteção, pelo seu sangue.

Me ama.

Eu quero que você me ame

E fique eternamente me amando dentro de mim.

Com sua carne e o seu amor, Eternamente, infinitamente dentro de mim.

Me envolvendo, me decifrando Me consumindo, me revelando.

Como em uma tarde dentro do elevador, No verão, voltando da praia

Você me abraçou e eu te abracei

E quanto mais eu me entregava

Mais nascia o meu desejo,

Mais sobrava só o desejo.

E mais eu te queria sem palavras, sem pensamentos.

A vida inteira resumida só no desejo Da tua boca dizendo meu nome

Da tua mão conduzindo a minha mão

Do teu corpo revelando o meu corpo...

( José Vicente)

domingo, agosto 10

POEMA DOS OLHOS DA AMADA



Ó minha amada

Que olhos os teus

São cais noturnos

Cheios de adeus

São docas mansas

Trilhando luzes

Que brilham longe

Longe dos breus...

Ó minha amada

Que olhos os teus

Quanto mistério

Nos olhos teus

Quantos saveiros

Quantos navios

Quantos naufrágios

Nos olhos teus...

Ó minha amada

Que olhos os teus

Se Deus houvera

Fizera-os Deus

Pois não os fizera

Quem não soubera

Que há muitas era

Nos olhos teus.

Ah, minha amada

De olhos ateus

Cria a esperança

Nos olhos meus

De verem um dia

O olhar mendigo

Da poesia

Nos olhos teus.

Vinicius de Moraes
(Antologia Poética)