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sábado, novembro 22

Orfeu teve desgraçado fim. Depois da expedição à Cólchida, fixou-se na Trácia e ali uniu-se à bela ninfa Eurídice. Um dia, como fugisse Eurídice à perseguição amorosa do pastor Aristeu, não viu uma serpente oculta na espessura da relva, e por ela foi picada. Eurídice morreu em consequência, e desde então Orfeu procurou em vão consolar sua pena enchendo as montanhas da Trácia com os sons da lira que lhe dera Apolo. Mas nada podia mitigar-lhe a dor e a lembrança de Eurídice perseguia-o em tôdas as horas.

Não podendo viver sem ela, resolveu ir buscá-la nas sombrias paragens onde habitam os corações que não se enterneceram com os rogos humanos. Aos acentos melódicos de sua lira, os espectros dos que vivem sem luz acorreram para ouvi-lo, e o escutavam silenciosos como pássaros dentro da noite. As serpentes, que formam a cabeleira das intratáveis Eríneas, deixaram de silvar e o Cérbero aquietou o abismo de suas três bocas. Abordando finalmente o inexorável Rei das Sombras, Orfeu dêle obteve o favor de retornar com Eurídice ao Sol. Porém seu rôgo só foi atendido com a condição de que não olhasse para trás a ver se sua amada o seguia. Mas no justo instante em que iam ambos respirar o claro dia, a inquietude do amor perturbou o infeliz amante. Impaciente de ver Eurídice, Orfeu voltou-se, e com um só olhar que lhe dirigiu perdeu-a para sempre.

As Bacantes, ofendidas com a fidelidade de Orfeu à amada desaparecida, a quem ele busca perdido em soluços de saudade, e vendo-se desdenhadas, atiraram-se contra êle numa noite santa e esquartejaram o seu corpo. Mas as Musas, a quem o músico tão fielmente servira, recolheram seus despojos e os sepultaram ao pé do Olimpo. Sua cabeça e sua lira, que haviam sido atiradas ao rio, a correnteza jogou-as na praia da Ilha de Lesbos, de onde foram piedosamente recolhidas e guardadas.


Este é um dos trechos mais bonitos do primeiro ato da peça, em que Orfeu sobressalta-se quando Eurídice lhe diz "Até, neguinho. Volto num instante".

Orfeu tem um mau presságio, e pede à amada que não o deixe.

Eurídice responde: "Meu neguinho, que bobagem! E' um instantinho só. Volto com a aragem..."

Orfeu:
Ai, que agonia que você me deu Meu amor! que impressão, que pesadelo!

Como se eu te estivesse vendo morta

Longe como uma morta...
Eurídice:Morta eu estou.Morta de amor, eu estou; morta e enterrada

Com cruz por cima e tudo!
Orfeu (sorrindo):Namorada!Vai bem depressa. Deus te leve. Aqui

Ficam os meus restos a esperar por tiQue dás vida!
(Eurídice atira-lhe um beijo e sai).


Mulher mais adorada!

Agora que não estás, deixa que rompa

O meu peito em soluços!

Te enrustiste

Em minha vida; e cada hora que passa

E' mais porque te amar, a hora derrama

O seu óleo de amor, em mim, amada...

E sabes de uma coisa?

cada vez Que o sofrimento vem, essa saudade

De estar perto, se longe, ou estar mais perto Se perto, - que é que eu sei!

essa agonia De viver fraco, o peito extravasado

O mel correndo; essa incapacidade

De me sentir mais eu, Orfeu; tudo isso

Que é bem capaz de confundir o espírito De um homem - nada disso tem importância

Quando tu chegas com essa charla antiga

Esse contentamento, essa harmonia

Esse corpo! e me dizes essas coisas

Que me dão essa fôrça, essa coragem

Esse orgulho de rei.

Ah, minha Eurídice Meu verso, meu silêncio, minha música!

Nunca fujas de mim! sem ti sou nada

Sou coisa sem razão, jogada, sou Pedra rolada.

Orfeu menos Eurídice...Coisa incompreensível!

A existência Sem ti é como olhar para um relógio

Só com o ponteiro dos minutos.

Tu És a hora, és o que dá sentido

E direção ao tempo, minha amiga

Mais querida! Qual mãe, qual pai, qual nada!

A beleza da vida és tu, amada

Milhões amada!

Ah! criatura!

quem Poderia pensar que Orfeu: Orfeu Cujo violão é a vida da cidade

E cuja fala, como o vento à flor Despetala as mulheres

- que êle, Orfeu Ficasse assim rendido aos teus encantos!

Mulata, pele escura, dente branco

Vai teu caminho que eu vou te seguindo

No pensamento e aqui me deixo rente

Quando voltares, pela lua cheia

Para os braços sem fim do teu amigo!

Vai tua vida, pássaro contente

Vai tua vida que eu estarei contigo!


Reproduzido do livro 'Orfeu da Conceição', Vinicius de Moraes, Livraria S. José, Rio, 1960.

"a felicidade é como a gota de orvalho
na petala da flor
brilha tranquila
depois de levar brisa
e cai como uma lágrima de amor "


(Tom Jobim/Vinícius de Moraes)

Duvida da luz dos astros,

De que o sol tenha calor,

Duvida até da verdade,

Mas confia em meu amor.


Sois belas, mas vazias. Não se pode morrer por vós. Minha rosa, sem dúvida um transeunte qualquer pensaria que se parece convosco. Ela sozinha é porém mais importante que vós todas, pois foi a ela que eu reguei. Foi a ela que pus a redoma. Foi a ela que abriguei com o para-vento. Foi dela que eu matei as larvas. Foi a ela que eu escutei queixar-se ou gabar-se, ou mesmo
calar-se algumas vezes.
É a minha rosa.

quarta-feira, novembro 19


“Há dia, sabes, em que gostava de ser como o gato e que me tocasses sem desejar encontrar quaisquer sentimentos a não ser o que se exprime num espreguiçar muito lento - um vago agradecimento? - e que depois me deixasses deitado no sofá sem que nada pudesses levar da minha alma, pois nem saberias o que dela roubar. “

(Pedro Paixão)

segunda-feira, novembro 17

RESPOSTA AO TEMPO


Batidas na porta da frente é o tempo
Eu bebo um pouquinho pra ter argumento
Mas fico sem jeito, calado, ele ri
Ele zomba do quanto eu chorei
Porque sabe passar e eu não sei

Um dia azul de verão, sinto o vento
Há folhas no meu coração é o tempo
Recordo um amor que perdi, ele ri
Diz que somos iguais, se eu notei
Pois não sabe ficar e eu também não sei

E gira em volta de mim, sussurra que apaga os caminhos
Que amores terminam no escuro sozinhos
Respondo que ele aprisiona, eu liberto

Que ele adormece as paixões, eu desperto
E o tempo se rói com inveja de mim
Me vigia querendo aprender
Como eu morro de amor pra tentar reviver

No fundo é uma eterna criança
que não soube amadurecer
Eu posso, ele não vai poder me esquecer

No fundo é uma eterna criança
que não soube amadurecer
Eu posso, ele não vai poder me esquecer

(Aldir Blanc/Cristovão Bastos)