Este é um dos trechos mais bonitos do primeiro ato da peça, em que Orfeu sobressalta-se quando Eurídice lhe diz "Até, neguinho. Volto num instante".
Orfeu tem um mau presságio, e pede à amada que não o deixe.
Eurídice responde: "Meu neguinho, que bobagem! E' um instantinho só. Volto com a aragem..."
Orfeu:
Ai, que agonia que você me deu Meu amor! que impressão, que pesadelo!
Ai, que agonia que você me deu Meu amor! que impressão, que pesadelo!
Como se eu te estivesse vendo morta
Longe como uma morta...
Eurídice:Morta eu estou.Morta de amor, eu estou; morta e enterrada
Eurídice:Morta eu estou.Morta de amor, eu estou; morta e enterrada
Com cruz por cima e tudo!
Orfeu (sorrindo):Namorada!Vai bem depressa. Deus te leve. Aqui
Orfeu (sorrindo):Namorada!Vai bem depressa. Deus te leve. Aqui
Ficam os meus restos a esperar por tiQue dás vida!
(Eurídice atira-lhe um beijo e sai).
(Eurídice atira-lhe um beijo e sai).
Mulher mais adorada!
Agora que não estás, deixa que rompa
O meu peito em soluços!
Te enrustiste
Em minha vida; e cada hora que passa
E' mais porque te amar, a hora derrama
O seu óleo de amor, em mim, amada...
E sabes de uma coisa?
cada vez Que o sofrimento vem, essa saudade
De estar perto, se longe, ou estar mais perto Se perto, - que é que eu sei!
essa agonia De viver fraco, o peito extravasado
O mel correndo; essa incapacidade
De me sentir mais eu, Orfeu; tudo isso
Que é bem capaz de confundir o espírito De um homem - nada disso tem importância
Quando tu chegas com essa charla antiga
Esse contentamento, essa harmonia
Esse corpo! e me dizes essas coisas
Que me dão essa fôrça, essa coragem
Esse orgulho de rei.
Ah, minha Eurídice Meu verso, meu silêncio, minha música!
Nunca fujas de mim! sem ti sou nada
Sou coisa sem razão, jogada, sou Pedra rolada.
Orfeu menos Eurídice...Coisa incompreensível!
A existência Sem ti é como olhar para um relógio
Só com o ponteiro dos minutos.
Tu És a hora, és o que dá sentido
E direção ao tempo, minha amiga
Mais querida! Qual mãe, qual pai, qual nada!
A beleza da vida és tu, amada
Milhões amada!
Ah! criatura!
quem Poderia pensar que Orfeu: Orfeu Cujo violão é a vida da cidade
E cuja fala, como o vento à flor Despetala as mulheres
- que êle, Orfeu Ficasse assim rendido aos teus encantos!
Mulata, pele escura, dente branco
Vai teu caminho que eu vou te seguindo
No pensamento e aqui me deixo rente
Quando voltares, pela lua cheia
Para os braços sem fim do teu amigo!
Vai tua vida, pássaro contente
Vai tua vida que eu estarei contigo!
Reproduzido do livro 'Orfeu da Conceição', Vinicius de Moraes, Livraria S. José, Rio, 1960.
Nenhum comentário:
Postar um comentário